Primeira advogada eleita presidente da OAB-SP, Patricia Vanzolini quer que sua gestão capacite advogadas e advogados a prestarem serviços mais qualificados, “sendo profissionais reconhecidamente indispensáveis à administração da Justiça, não só na teoria, mas na prática”. Para tanto, ela julga fundamental a criação de uma rede de proteção às prerrogativas dos advogados, que “englobe o desenvolvimento técnico”.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista da nova presidente da OAB-SP ao site do Conselho Federal da OAB.
CFOAB – Qual será o foco de sua gestão na OAB-SP?
Patricia Vanzolini – Melhorar a governança da entidade. Para isso, já estamos implantando um sistema que inclui informatização dos processos, transparência, compliance, responsabilidade, prestação de contas e desburocratização. Também objetivamos ajudar a advocacia a se qualificar. Hoje, são mais de 1,7 mil faculdades de direito no país. Diante da falta de critérios para abertura de novos cursos, a classe sofre com problemas de formação. A seccional não pode se limitar à aplicação do Exame de Ordem, pelo contrário, deve dar suporte à capacitação de seus inscritos, valorizando a profissão e defendendo suas prerrogativas. Considero fundamental adotar políticas específicas para auxiliar nossa categoria de forma direta, como a criação de uma rede de proteção às prerrogativas dos advogados que englobe desenvolvimento técnico, suporte material e lastro institucional. Gostaria, ainda, que nossa gestão fosse lembrada como a que capacitou advogadas e advogados para prestar serviços mais qualificados, sendo profissionais – reconhecidamente – indispensáveis à administração da justiça, não só na teoria, mas na prática.
CFOAB – Qual a importância da OAB para a advocacia?
Patricia Vanzolini – A OAB é fundamental para a advocacia. É uma profissão essencial à Justiça, mas que precisa, para bem desempenhar o seu papel, de prerrogativas. Assim como o Ministério Público tem prerrogativas, assim como a magistratura tem prerrogativas, a advocacia também precisa ter o seu desempenho profissional protegido. Quem tem a função de proteger as prerrogativas da advocacia e de dar amparo e apoio à advocacia é a Ordem dos Advogados. Sem a Ordem, nós temos uma advocacia enfraquecida, vulnerável e que não consegue enfrentar a arbitrariedade.
CFOAB – Qual a importância da OAB na sua vida?
Patricia Vanzolini – A OAB é fundamental na minha vida. Como advogada criminalista, eu sempre contei, sobretudo, com a Comissão de Defesa das Prerrogativas. Nós, da advocacia criminal, uma linha de frente muito combativa e de enfrentamento, sabemos como é difícil, muitas vezes, enfrentar os poderes constituídos. E é por isso que é tão importante saber que nós podemos contar a qualquer hora com a força da OAB. Porque um advogado sozinho é muito importante, mas um advogado inscrito e dentro da OAB, esse é imbatível.
CFOAB – Como é ser dirigente de Ordem no período da maior pandemia da história? Quais lições desse período ficam de aprendizado para ações futuras?
Patricia Vanzolini – É desafiador, pois muitos profissionais da advocacia tiveram suas condições de trabalho impactadas nesta pandemia da covid-19. Vimos advogados tendo de fazer audiência pelo celular, com internet de má qualidade e sem conseguir pagar suas contas. A exclusão digital joga para fora do mercado inúmeros trabalhadores que não podem acompanhar – por motivos técnicos – videoconferências, que não tiveram treinamento e que não sabem como mexer nas plataformas do Sistema de Justiça. Neste momento, é preciso de um olhar assistencialista mesmo, para as necessidades materiais básicas da advocacia. Já identificamos gargalos, em que a classe está sendo mais aviltada, e estamos atuando de forma muito ativa para reverter esse cenário. Estamos na interlocução com os entes públicos, a fim de uma cooperação para que nossos profissionais consigam trabalhar. É a nossa prioridade.
CFOAB – A senhora é a primeira mulher eleita em 90 anos de história da OAB-SP. Qual a importância disso para a luta das mulheres advogadas?
Patricia Vanzolini – Se pensarmos que a Ordem começa na década de 1930, quando as mulheres sequer votavam, vamos considerar que, em uma parte desses 90 anos de OAB-SP, elas não eram nem cogitadas. Até o triênio anterior, não havia nenhuma presidente nas seccionais do país, por sua vez, no último pleito, cinco mulheres foram eleitas. Na seccional paulista, mulheres correspondem a 46% do total de cargos diretivos das subseções, substancialmente acima da cota de 30% estipulada pelo regulamento de paridade da OAB – isso já representa um avanço significativo e animador. Em relação a presidentes, foram eleitas 62, o que corresponde a apenas 25% – revelando que temos muito a avançar. Torço para que minha eleição não entre só para a história do Sistema OAB, mas que seja um divisor de águas, contribuindo para que lideranças femininas tenham mais voz e vez na advocacia, como um todo.
CFOAB – Como trazer mais mulheres para o dia a dia da Ordem e da política?
Patricia Vanzolini – A paridade de gênero é um dos pilares da atuação da OAB-SP, por ser essencial proporcionar as mesmas oportunidades às advogadas e aos advogados. Em nossa visão, é dever da entidade cessar a atual discrepância na ocupação de todos os espaços – comissões, colegiados e cargos diretivos –, o que inclui nossa indicação de vagas de desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo obedecendo preceitos de diversidade para o preenchimento do cargo. Será a primeira lista sêxtupla do Quinto Constitucional a respeitar a pluralidade.
CFOAB – Qual o próximo passo na luta das mulheres advogadas?
Patricia Vanzolini – Trata-se de um desafio a ser superado em todos os estados brasileiros. Essa resistência fica clara na votação do projeto da paridade de gênero na Ordem, que dividiu os gestores de seccionais, cabendo ao presidente do Conselho Federal dar o voto de desempate a favor da proposta. Vale ressaltar que protocolamos um ofício para que seja levado ao pleno a propositura que visa alterar o Estatuto da Advocacia para adotar o voto direto para eleição do presidente da OAB Nacional. Essa era uma das nossas promessas de campanha, mas dependeria de aprovação no Congresso, por envolver uma lei federal. Entendemos que essa mudança é importante por democratizar o pleito, colaborando com uma Ordem mais inclusiva e transparente. Tal medida pode ser o “próximo passo”, contribuindo com a eleição de uma mulher no cargo mais importante do sistema Ordem.
CFOAB – Além da luta das mulheres, temos a luta dos negros e negras, dos homossexuais, das pessoas com deficiência,. A senhora cita a questão da diversidade em suas falas. Como essa questão será abordada em sua gestão?
Patricia Vanzolini – Os pilares para a construção de uma nova OAB-SP são: democracia, apoio, inclusão e transparência. Nessa linha, já estamos trabalhando para edificar bases fortes, que permaneçam para além do nosso mandato. As iniciativas da seccional referentes à paridade, igualdade racial, inclusão de pessoas com deficiência e de pessoas LGBTQIA+ têm de servir de exemplo aos cidadãos. Elas devem extrapolar o âmbito da instituição e colaborar com a construção de uma sociedade mais justa.
CFOAB – Qual a mensagem a senhora gostaria de deixar para as advogadas? Para as estudantes de direito que ainda sonham com a carteira da OAB?
Patricia Vanzolini – Assim como em vários outros ambientes da nossa sociedade, o meio jurídico é bem machista. Há preconceito de que mulheres não podem ocupar os mesmos postos de trabalho dos homens. Se no colégio eleitoral da OAB-SP existem mais de 50% de advogadas, é urgente que quebremos esse paradigma. Sendo assim, a mensagem que deixo é: precisamos mostrar as rachaduras no “teto de vidro” do patriarcado e criar nossos espaços, ocupar lugares que ainda não ocupamos e, dessa maneira, estabelecer um processo de educação e compreensão para a efetiva mudança.