O Selo OAB Recomenda revela os cursos no Brasil que oferecem ensino jurídico de qualidade. Para alguns, é a confirmação de uma história consolidada. Para outros, o reconhecimento de um esforço mais recente. A premiação representa a luta histórica da Ordem dos Advogados do Brasil em defesa da qualidade da educação no nível superior.
Em 16 de março, 192 instituições de ensino superior receberam a insígnia, na 7ª edição do Selo de Qualidade. Atualmente, segundo dados do sistema e-MEC, existem no Brasil 1.896 cursos de direito, com oferta de 361.848 vagas anuais. Muitos não alcançam excelência e estão aquém do necessário. Mirar alguns bons exemplos pode ser um caminho para reverter o quadro. A seguir, trazemos as histórias de cursos em todas as regiões do país, que conseguiram receber a insígnia.
Exigências da Ordem
A história do ensino jurídico no Brasil se confunde com a inauguração dos cursos jurídicos, em 1827, marcada pela criação dos cursos de direito no Largo de São Francisco, em São Paulo, e em Olinda, em Pernambuco. A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) é reconhecida nacional e internacionalmente pela sua excelência. Nem sempre foi assim. No século 19, houve um período em que se chegou a pensar em fechá-la. Há décadas, no entanto, é referência.
A FDUSP é grande em história, relevância, em números: oferece 460 vagas por ano. O tamanho do corpo discente não impede o ensino de qualidade. “Não existe uma receita de bolo, ingredientes padrões para todos os contextos que funcionem para todos os perfis de escola. Podemos falar em um padrão mínimo de qualidade. Um bom curso de direito não é aquele que se preocupa, exclusivamente, ainda que seja prioritário, em formar bons advogados. Tem que oferecer uma formação jurídica completa”, diz o diretor da faculdade tradicional do Largo São Francisco, Celso Fernandes Campilongo.
Ele defende que um bom curso deve atender exigências retratadas no Exame de Ordem, mas precisa ir além. Nesse sentido, Campilongo se preocupa com o enfraquecimento das universidades públicas. “Se tenho um bloco de elites constituído pelas públicas, particularmente as federais, e se a gente assiste ao sucateamento da universidade pública federal e um ataque sistemático, o impacto disso no campo do direito pode ser devastador”, enfatizou.
Interesses da nação
Isso porque, na avaliação dele, os cursos públicos têm tradição em formação mais ampla que a da carreira, puramente por uma questão de perfil. “Nem todas as faculdades particulares que oferecem bons cursos têm a formação voltadas ao interesse público. Muitas – e é legítimo – pensam na formação voltada ao direito empresarial, à atividade econômica, por exemplo. Mas o direito como um todo e a própria advocacia têm um papel muito mais amplo, atrelado à cidadania, ao reforço das instituições democráticas e é daqui que nasce a relevância de uma entidade como a OAB, que cuida dos interesses da nação.”
E, nesse contexto, o Selo OAB Recomenda também se faz relevante. “Faz uma enorme diferença profissional. Os alunos às vezes fazem o Exame de Ordem, mas nem têm a graduação ainda, porque querem ser efetivados em escritórios. Cria-se um clima, especialmente para os que estão preocupados com a advocacia, muito importante, tem efeito positivo no mercado profissional. É um indicador importante”, ressalta o diretor da FDUSP. Dado esse papel, ele tem interesse, inclusive, em acompanhar de perto os resultados obtidos, para ajudar a melhorar áreas com as lacunas identificadas.
Campilongo está na São Francisco há 46 anos, desde 1976, quando ingressou na faculdade como aluno. Professor titular desde 2011, foi eleito no fim do ano passado para a direção, que assumiu em 21 de fevereiro, mas já era vice na gestão anterior.
Durante esse tempo, ele viu a USP ocupar um papel de protagonismo no ensino de direito. “A FDUSP sempre tem um bom desempenho. Houve uma época em que o exame era feito pelas seccionais. Na época, o estado de São Paulo era considerado um exame de Ordem muito difícil e tinha gente indo para outros estados fazer a prova. Mesmo nessa época, a USP teve um bom desempenho”, conta. Segundo ele, nos anos 1990, enquanto a média de reprovação do Exame de Ordem era de 90% no estado, na USP, era o inverso: 90% de aprovação.
“Não tivemos tantos altos e baixos. Mas não é que tenha sido sempre a história. Se eu recuar no tempo, no século 19, só tínhamos a faculdade de Olinda e a daqui. Em alguns momentos cogitou-se até em fechar a faculdade. Alunos acharam que o curso oferecia muito. Mas isso foi revertido há muito”, disse Campilongo. Hoje, os desafios são externos, como o período de pandemia da covid-19, que impôs dificuldades extras. A Faculdade de Direito retomou as aulas presenciais em 14 de março com presença maior que a anterior, com alunos lotando as salas.
Referência no Norte
Em matéria de história longa, o curso de direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) tem o que contar: foi criado em 17 de janeiro de 1909, por inspiração de um grupo de idealistas, sócios do Clube da Guarda Nacional. Assim, em sessão ocorrida naquela associação, nasceu a então “Escola Universitária Livre de Manaós”.
Muitos cursos faliram depois do ciclo da borracha, o único que permaneceu ativo foi o de direito. Em 1964, quando foi criada a Zona Franca de Manaus, a faculdade de direito passou a fazer parte da universidade.
“Dizem que a UFAM é centenária, mas é pelo direito”, diz o diretor do curso, Adriano Ferreira, sobre os 113 anos da escola. Das sete vezes em que a OAB concedeu o selo, a faculdade tem seis. “É um orgulho para nós. No Amazonas, somente a do estado e a federal têm a insígnia OAB Recomenda”, aponta o professor que está desde 2018 na direção e, antes de se tornar diretor, foi vice.
Depois de uma edição sem conseguir o selo, a retomada foi feita, segundo ele, com uma gestão participativa, com direção, professores, estudantes e servidores atuando em conjunto. “Temos um aluno diferenciado, pelo processo seletivo que traz para nós bons alunos. Temos um compromisso com os alunos e vice-versa. Eles se sentem parte integrante, participam da tomada de decisão, e têm compromisso com as atividades extracurriculares.”
Ferreira ressalta que os alunos participam de vários processos internos, o centro acadêmico participa dos colegiados, estão ativamente inteirados e integrados com a faculdade, montam grupos de estudos, buscam estágios em diversos órgãos locais. Além de poderem manter contato próximo com professores e técnicos.
Mais doutores
O compromisso também está firmado pelo lado dos professores, em constante formação. “Até 2014, não tínhamos nenhum doutor no quadro. Hoje, temos 21 doutores, seis doutorandos, oito mestres e quatro mestrandos. O corpo docente está se qualificando. Nós temos quase mil alunos. É um corpo docente pequeno, mas que está se qualificando, pela pós-graduação, pela via da tecnologia também.
E com os nossos técnicos, que se desdobram. Há um comprometimento coletivo com a educação”, diz o diretor. Ele conta que, em 2009, a matriz curricular do curso foi reformulada para que se tornasse mais interdisciplinar. “Nossos professores sempre atuam incluindo direitos humanos em todas as disciplinas e o direito ambiental, por exemplo. O que traz uma formação interdisciplinar. O ensino jurídico não é mais compartimentado”, ressalta.
Mirando o futuro, ele afirma que a integração total com a tecnologia é uma meta. “Estamos em um momento em que a vida mudou. Relacionamentos sociais se transformaram e, a partir desse momento, a gente busca se adequar a essa nova realidade pós-pandemia. Poucas faculdades podem falar isso, mas aqui em Manaus tivemos o mesmo problema em 1919, na gripe espanhola.
Tivemos que repensar os caminhos. A partir de hoje, com o retorno à vida normal, teremos novamente que repensar atividades, carreiras, na vida profissional dos egressos e vamos ter de preparar os alunos para essa realidade”, reflete.
Experiência inovadora
Diferentemente do que aconteceu em outros lugares, a Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) do Rio Grande do Sul abriu, primeiramente, a pós-graduação lato sensu, depois inaugurou sua graduação e, finalmente, encaminhou o curso stricto sensu de mestrado.
“Começamos com a especialização justamente para consolidar uma experiência acadêmica de qualidade, num tempo menor de formação e, com isso, a instituição se preparou, qualificando seus quadros docentes, para que, quando viessem a graduação e o mestrado, tivéssemos uma estrutura montada”, conta Fábio Sbardellotto, presidente da FMP.
A ideia foi fazer uma espécie de projeto piloto para consolidar, com calma, atenção e gradualmente, a qualidade que é necessária. O tempo de uma especialização é de um ano e meio a dois. O de uma graduação é de cinco anos. Assim, tratou-se de um projeto em menor escala para consolidar a instituição e, depois, abrir a graduação já com um curso forte.
Sbardellotto ajudou a construir a iniciativa. Tendo se formado em direito em 1988, foi o primeiro bacharel gaúcho a ganhar uma bolsa de estudos na Fundação, em 1989. Foi quando cursou o curso preparatório do Ministério Público (MP) na Fundação. Mais tarde, já aprovado no MP, voltou para dar aulas em 2000. Em 2011, assumiu cargo de diretor da faculdade e, em 2019, de presidente da Fundação mantenedora da faculdade.
“Temos um compromisso com a sociedade e com os nossos alunos em construir juntos um espaço exclusivo, focado somente no curso de direito. E que possa proporcionar aos acadêmicos total concentração nos estudos e uma sinergia entre eles e a instituição.
Um dos grandes diferenciais que temos também é um atendimento personalizado e completo ao aluno, para que possa desenvolver seus estudos conforme as necessidades individuais, oferecendo todas as condições para que realmente se concentre na busca do conhecimento qualificado”, detalha.
Ensino, pesquisa e extensão
Instituição longe dos grandes centros urbanos, a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá, encontrou no tripé ensino, pesquisa e extensão uma forma de driblar dificuldades e oferecer um ensino jurídico de qualidade, além de se tornar referência no estado e na região.
Como em outros casos pelo país, o curso de direito precede a criação da universidade. A Faculdade de Direito de Cuyaba foi criada em 1934. Posteriormente, em 1936, o Estado criou a Faculdade de Direito de Matto Grosso e encampou a Faculdade de Direito de Cuyaba. Em 1937, a Constituição do Brasil vedou a acumulação de cargos ou funções públicas, o que inviabilizou a continuidade do funcionamento, por ausência de corpo docente, o que culminou na sua extinção em 1939.
Renasceu, no entanto, em 1952, ainda estadual, mas teve suas atividades suspensas em 1955. Em 1956 foi reaberta, com reinício de suas atividades em 1957. Em 1961, foi federalizada e denominada de Faculdade Federal de Direito de Mato Grosso. Com a criação da UFMT em 1970, passou a integrá-la como Faculdade de Direito.
O atual diretor da escola, Carlos Eduardo Silva e Souza, faz parte dessa história desde 2007, quando ingressou como professor substituto. Fez parte, também, da primeira turma de mestrado da instituição. E, em 2013, tomou posse como professor e, em 2015, como professor do programa de pós-graduação. Em 2021, passou a dirigir a faculdade.
“Nem nos meus sonhos mais bonitos eu poderia imaginar essa minha relação com a UFMT. Costumo dizer que — sou advogado e professor — me realizo na sala de aula mais que na profissão”, conta.
Esse orgulho vem do trabalho desempenhado e dos resultados alcançados, contemplados inclusive com o recebimento do Selo OAB Recomenda. “Para uma universidade no interior, longe dos grandes centros, de Brasília, na mesma região, é um feito, uma conquista”, diz. E, com relação ao Selo, ele afirma ser um trabalho importantíssimo da OAB, sobretudo por conta da precarização do ensino jurídico que se evidencia pelos próprios índices de aprovação do Exame de Ordem.
“E aqui no estado é uma situação crítica. Ele é importante também porque estimula a melhoria de quem não vai bem, mas também reconhece quem enfrenta as suas dificuldades, mas tem conseguido alcançar bons resultados”, avalia. O maior desafio que a faculdade enfrenta, segundo o professor, são as limitações orçamentárias.
De acordo com ele, se houvesse um valor mais significativo disponível para ser aplicado, “com toda a certeza teríamos a possibilidade de desenvolver mais atividades para desempenhar um papel ainda mais importante”. Mato Grosso não conta, ainda, com um doutorado em direito. Mais recursos poderiam ajudar, segundo Souza, nesse aspecto: no incentivo e suporte ao doutoramento do corpo docente e de mais pesquisadores e profissionais. Além disso, seria possível melhorar a infraestrutura predial, construir um auditório próprio, melhorar os equipamentos disponíveis.
Enquanto as dificuldades orçamentárias ainda preocupam, a dedicação da comunidade acadêmica puxa o pêndulo para o lado da qualidade. “Temos um grupo bastante coeso e comprometido com uma educação jurídica de qualidade. Vai além da concepção de ensino propriamente dita. É o tripé ensino, pesquisa e extensão. Somos uma universidade de verdade, não nos limitamos apenas ao ensino.”
Ciência em movimento
Na avaliação dele, um ensino jurídico de qualidade significa ser amplo, atualizado e contemplar os diferentes desafios que o profissional vai enfrentar. “O direito é uma ciência em constante movimento. Ele precisa ser amplo porque diferentes são os ramos que se apresentam nos dias atuais. Precisa ser absolutamente comprometido também com a ciência, o direito enquanto ciência, um estudo científico também, mas ao mesmo tempo totalmente afinado com a realidade, com o dia a dia. E isso demonstra uma interface com os problemas que todos nós individualmente ou enquanto sociedade enfrentamos”, aponta o diretor.
Ele observa um esquecimento tanto da pesquisa como da extensão em cursos que não chegam a bons indicadores de qualidade. O problema seria não oferecer uma formação integral. Na UFMT, há o núcleo de prática jurídica, grupos de pesquisa, laboratórios e várias ações de extensão.
Dentre elas, o direito nas escolas, coordenado por um professor e que vai a escolas públicas da cidade para compartilhar um pouco de conhecimento jurídico com a comunidade escolar. Outra atividade é a de direito e cinema, em que os alunos assistem filmes e fazem discussões jurídicas a respeito da questão ali postas.
UNI7
Fruto do boom de inaugurações de faculdades particulares nos anos 2000, o Centro Universitário 7 de Setembro (Uni7), em Fortaleza (CE), se consolida na cidade com um ensino preocupado com a qualidade. E um dos termômetros para essa avaliação são os resultados vindos da OAB: o curso recebeu o Selo OAB Recomenda nas três últimas edições.
“A qualidade do ensino jurídico é preocupante, mas entendemos que é uma preocupação de todos, todos os dias, que não podemos baixar a guarda em relação a isso. Falta, inclusive, maior fiscalização das autoridades educacionais do país, no sentido de não se deixar ofertar cursos sem critérios mínimos”, diz Maria Vital da Rocha, coordenadora do curso de direito da Uni7.
Nesse caso, segundo ela, o Selo OAB se torna um indicador ainda mais importante. E, do ponto de vista interno, das instituições, é necessário que haja um cuidado diuturno, no sentido de exigir o comprometimento de professores e alunos. “E que nós saibamos cobrar dos nossos empregadores, dos mantenedores que sejam comprometidos com a qualidade também, com o investimento necessário.”
Maria Vital foi convidada há 20 anos para participar do planejamento do curso. A Uni7 foi fundada por uma família de educadores que já tinham um colégio tradicional em Fortaleza, o 7 de Setembro, que tem mais de 80 anos. No início dos anos 2000, os filhos dos fundadores do colégio abriram a faculdade, a então Facet, e começaram com cursos de administração, pedagogia, ciências contábeis. Depois desses cursos instalados, passaram a pensar no de direito.
“Tenho o maior prazer em falar sobre, porque é uma obra de sucesso. Trabalhei desde o projeto, pensando nos livros a serem comprados, professores a contratar, participei da construção da sede. E, desde então, a gente trabalha todo dia, incansavelmente pela qualidade do curso. E sempre levamos em conta que a Uni7, o curso de direito em si, precisa construir uma história própria, e não pode ficar vinculada à história do colégio. Vamos fazer a nossa história. E o curso de direito já é aquele que dá mais visibilidade à instituição.”
Um dos cuidados desde a abertura foi a busca pela formação de um corpo docente qualificado. Não era ainda uma exigência, mas se buscou professor com, pelo menos, o título de mestrado. Mais tarde, a instituição estimulou o doutorado. “Pelo Inep, nunca fomos menos que 5, desde a fundação. Temos resultados muito positivos no Enade, somos 4. E, hoje, no último Exame da OAB, ficamos em primeiro lugar no Ceará”, conta a coordenadora.
Pensando em manter os resultados crescentes, um dos planos é ter um corpo docente estável, que construa o curso ao longo do tempo, se destaque, dedique e sirva de exemplo aos estudantes. “A grande característica que a gente tem é a qualidade dos professores. Não falo só de titulação, mas de comprometimento, seriedade, porque eles têm que ser exemplos para os alunos. Temos professores de 18 anos de casa, 15 anos”, conta.
De acordo com ela, a maioria também se destaca na carreira jurídica. “Isso também nos dá uma credibilidade enquanto professores. De certo modo, a instituição sabe que estamos nos dedicando à profissão também”, diz Maria Vital, que se aposentou recentemente da carreira de procuradora federal.
Ela afirma que segue em diálogo constante com colegas, estudantes, mantenedores. “A qualidade de ensino requer investimento, biblioteca de qualidade, corpo docente qualificado, centro acadêmico parceiro, acompanhando, atividades paralelas. Também prezamos pela transparência com os alunos”, enumera.
O retorno às aulas presenciais depois de restrições mais severas em decorrências das medidas de segurança contra a Covid-19 é um desses momentos, diz, que exigem reflexão sobre o ensino jurídico. Há, também, novas diretrizes, que dão mais flexibilidade, mas também responsabilidades extras. “É mais um desafio, que vamos conversando com toda a comunidade para seguir trilhando esse caminho de sucesso”, diz.
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