Nesta semana, é comemorado o Dia dos Povos Indígenas (19 de abril), uma data que busca celebrar a grande diversidade cultural e histórica desses povos originários do Brasil. Mas, nem tudo são flores. Este dia deve servir também de incentivo à reflexão sobre o enfrentamento aos preconceitos e falta de reconhecimento desta minoria, que tem suas garantias constitucionais e também previstas na Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas.
A demarcação territorial é uma das grandes lutas dos povos indígenas. É o que garante proteção aos direitos, autonomia, acesso à saúde, à educação, à segurança, bem como a preservação da cultura e da identidade. Demanda que Arykã de Paula, líder da comunidade Kakané Porã, considerada a primeira aldeia indígena urbana do Sul do país, conhece bem. A comunidade fica em Campo de Santana, um bairro da região sul de Curitiba, a apenas 23 quilômetro do centro da capital.
O cacique kaingang conta que, nem mesmo a proximidade com a metrópole de 1,7 milhão de habitantes, que é a capital paranaense, é capaz de facilitar o acesso a todos os direitos que lhe são reservados. Kakané Porã foi uma das comunidades auxiliadas pelo Projeto Aproxima, da Justiça Federal do Paraná (JFPR), realizado em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e diferentes órgãos federais, estaduais e municipais.
O objetivo do projeto é acelerar demandas sociais de comunidades mais vulneráveis do estado, com a escuta ativa de cada comunidade e cada cidadão. Com o povo liderado por Arykã, a JFPR identificou diversas necessidades, entre as quais aposentadorias e auxílios-doença. Também houve diálogos sobre os problemas que sofrem em relação à educação, ao meio ambiente e ao território.
“Queria que tivesse de seis em seis meses”, afirma o cacique sobre a escuta ativa, orientações e encaminhamentos proporcionados pela JFPR.
Regularização do território
A aldeia Kakané Porã, criada em 2008, foi cedida em processo junto à Companhia de habitação Popular (Cohab). Atualmente, tem cerca de 230 pessoas e 45 famílias. Mesmo após 16 anos de sua instalação, a documentação do espaço ainda não foi regularizada, o que dificulta o acesso aos direitos básicos, principalmente, o direito à saúde. “Não ser uma aldeia reconhecida, faz com que muitas instituições não queiram nos atender”, relata Arykã.
O cacique Arykã destacou a necessidade de regulamentação fundiária do território em sua escuta ativa. A falta de documentos relativos à terra e a burocracia dificultam o acesso a outros direitos básicos, principalmente relacionados à saúde. A demanda deverá ser levada à frente pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), representada na visita.
“Transculturização”
Toda a proximidade com a vida na cidade também acaba prejudicando a identidade cultural desse povo. Por isso, o cacique Arykã deseja desenvolver apresentações em festivais culturais de Curitiba, para que possa reavivar as perdas culturais do meio urbano, e reclama pela inclusão dos povos indígenas nas feiras da cidade.
Além disso, o cacique revelou à JFPR que as crianças estão perdendo contato com as tradições. Segundo o cacique, a comunidade vive uma “transculturização”, ou seja, está aprendendo a viver como o povo de Curitiba vive, porém, com a base cultural que têm e que precisam resgatar.
O líder tem receio de que, em um curto período entre dez a 15 anos, não haja mais falantes das línguas xetá, kaingang e tupi dentro da comunidade. Por isso, a ideia é incentivar a educação local desses idiomas. “Hoje, apenas 10% da população dentro da aldeia tem fluência nessas línguas”, lamenta Arykã.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há um aumento na população indígena no país, número que alcança 896.917 indivíduos. Porém, a comunidade de Kakané Porã não é a única que sofre com cada vez menos falantes das línguas nativas – são hoje 434.664 pessoas que falam os idiomas indígenas, ou seja, menos da metade da população desses povos.
Preconceito
O líder da comunidade Kakané Porã diz que o fato de estar envolvido com a capital paranaense não facilita o desenvolvimento da aldeia, além do preconceito que sofre pela população curitibana e de outras comunidades indígenas pelo local que estão instalados. “Alguns processos aqui são até mais lentos, mesmo assim somos discriminados duplamente, pela sociedade e pelos indígenas por estarmos em contexto urbano”. diz Arykã.
Mesmo com as dificuldades, Kakané Porã busca aos finais de semana se unir e realizar mutirões, praticar esportes e desenvolver práticas culturais indígenas. A comunidade sobrevive de ações e estabelecimentos comerciais dos próprios indivíduos que habitam as terras.
Dia de celebração
Neste sábado, dia 19, será de comemoração pelo Dia dos Povos Indígenas na aldeia Kakané Porã. As famílias da comunidade farão uma comemoração, aberta ao público em geral, com apresentações culturais, disposições de artesanato, comidas típicas e churrasco. “Vamos tentar fazer o resgate e fortalecer a cultura”.
O cacique Arykã de Paula e o vice-cacique Gilso de Paula (Arquivo Pessoal)
Dia de atendimento da JFPR e órgãos parceiros à comunidade Kakané Porã, em Curitiba (Projeto Aproxima JFPR)
Comunidade indígena Kakané Porã, em Curitiba, vista de cima (Divulgação)