Foi realizada nesta quarta-feira (4/12) a Pós-Jornada de Soluções Autocompositivas, que trouxe reflexões sobre o papel do Judiciário na construção de relações mais humanizadas e no enfrentamento de desafios como o superendividamento, em um ano marcado pelas enchentes no Rio Grande do Sul. O evento integrou as atividades da “XI Jornada de Soluções Autocompositivas – Unindo Forças” e foi promovido em conjunto por tribunais com sede no RS, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o Tribunal de Justiça do RS (TJRS) e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4). A Pós-Jornada aconteceu no auditório do Espaço Multiuso do TJRS, em Porto Alegre.
No evento, que reuniu representantes de diferentes tribunais e instituições, os discursos enfatizaram a importância da união de forças em benefício da população. O 1º vice-presidente do TJRS e presidente do NUPEMEC/TJRS, desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório, participou da abertura, ressaltando o crescimento de processos judiciais e a criatividade do povo gaúcho na diversidade de demandas, apontando os métodos autocompositivos como essenciais na melhoria da administração da justiça e no alívio do sofrimento das partes envolvidas em conflitos.
O desembargador destacou também que a recente tragédia climática serviu para aproximar instituições e fomentar a colaboração interinstitucional, fortalecendo a missão comum de garantir a prestação jurisdicional. “Eu sempre ouvia da desembargadora Vanderlei sobre a necessidade de engajamento da magistratura nos métodos autocompositivos. Agora, na prática, vejo pessoas dedicadas e entusiasmadas com essa causa. Isso não apenas beneficia as pessoas, mas também contribui para uma administração mais eficiente do Poder Judiciário”, ele afirmou.
A desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, coordenadora do NUPEMEC/TJRS, abriu os trabalhos saudando a todos. Na sequência, ela fez uma breve retrospectiva dos eventos já realizados desde 2012 e temas debatidos. Por fim, falou sobre a importância de discutir os avanços na renegociação de dívidas e o aprimoramento de práticas que promovam a dignidade financeira dos cidadãos, principalmente no contexto de recuperação econômica e social pós-enchentes.
A magistrada frisou que a atualização do Código de Defesa do Consumidor fortaleceu iniciativas de renegociação de dívidas, garantindo mais apoio às pessoas em situação de superendividamento e prevendo medidas contra práticas abusivas.
O primeiro painel do evento do tema “Superendividamento: A Lei do Crédito Responsável”, apresentado pelo professor e advogado Bruno Miragem. Ele abordou a relevância de soluções inovadoras para a prevenção de conflitos, especialmente em um contexto de crescente superendividamento. Ele destacou ainda que a compreensão profunda dos problemas enfrentados pela sociedade contemporânea é essencial para desenvolver abordagens eficazes e distintas daquelas tradicionalmente adotadas.
“É fundamental que entendamos a diversidade e a complexidade dos problemas sociais e econômicos que surgem nas interações cotidianas. O superendividamento, por exemplo, é um tema que exige uma compreensão precisa para que possamos efetivamente atuar na prevenção e solução desses conflitos”, afirmou Miragem.
O desembargador Leonardo Bessa, do TJ do Distrito Federal, participou do evento de forma virtual e agradeceu aos organizadores pela oportunidade. “É uma honra integrar essa discussão tão relevante. Parabenizo os idealizadores do encontro”, disse o magistrado.
Já a desembargadora Ivani Bramante, do TRT da 2ª Região, pontuou os desafios no acesso à justiça e a relevância da atuação conjunta entre instituições para abordar conflitos financeiros de forma eficaz. A magistrada também ressaltou o papel do Judiciário em acolher e fortalecer a cidadania, especialmente no contexto do superendividamento, e abordou a conexão com a área trabalhista.
No encerramento do painel, os participantes tiveram a oportunidade de compartilhar suas dúvidas e reflexões acerca das discussões realizadas ao longo da manhã.
Painéis da tarde
Já na tarde da quarta-feira, ocorreram três painéis sobre o tema do superendividamento. O primeiro painel, intitulado “O CNJ enquanto gestor da Política Pública do Tratamento do Superendividamento”, foi apresentado, de forma online, pelo ministro do STJ Marco Aurélio Gastaldi Buzzi e pela professora Cláudia Lima Marques, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A coordenação de mesa foi do desembargador do TJRS, Clóvis Moacyr Mattana Ramos.
Em sua fala, o ministro destacou que o superendividamento tornou-se um problema social e, como tal, deve ser tratado. “Precisamos lançar um olhar objetivo sobre o superendividamento e procurar compreender suas origens”, ele disse. O ministro ressaltou a importância da fase conciliatória e dos métodos de solução consensual de conflitos, que têm sido amplamente utilizados para auxiliar a Justiça. “É mais uma maneira que o Judiciário tem de atuar em busca da paz social”, ele afirmou.
A professora Cláudia Lima Marques destacou a política que orienta os objetivos do Código de Defesa do Consumidor, com ênfase no artigo 4º, que trata da Política Nacional de Relações de Consumo. “O superendividamento está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, à saúde e segurança, à proteção dos interesses econômicos e à melhoria da qualidade de vida, além da transparência e harmonia nas relações de consumo”, ela apontou.
O segundo painel da tarde foi “Superendividamento: Fase Consensual – Pré-Judicialização”, apresentado pelos desembargadores do TJRS, Roberto Ludwig e Ricardo Pippi Schmidt, com a moderação da juíza auxiliar do NUPEMEC/TJRS, Josiane Caleffi Estivalet.
Segundo o desembargador Ludwig o direito fundamental à liberdade de negociar é um direito constitucional sagrado e expresso. “A ordem econômica nacional é regida pelo princípio da livre iniciativa. Bancos e outras instituições financeiras oferecem crédito e possuem respaldo constitucional para isso. Mas como conciliamos a atuação dessas instituições com a imposição de participar de uma conciliação? Não podemos esquecer que a justificativa para limitar essa liberdade deve ser fundamentada na garantia de uma existência digna, o que é sustentado pelo princípio constitucional do mínimo existencial”, observou o magistrado.
Para encerrar o painel, o desembargador Schmidt contextualizou o tema do superendividamento e o sistema de justiça. Ele fez uma reflexão sobre a necessidade de se compreender o objetivo da Lei nº 14.181/2021, que criou mais do que um procedimento especial, mas sim um microssistema para prevenção e tratamento do fenômeno do superendividamento com práticas distintas do procedimento comum.
A Pós-Jornada foi concluída com o painel “Superendividamento: Fase judicial”. O debate teve a moderação da juíza de Direito Clarissa Costa de Lima, membro do Grupo de Trabalho para aperfeiçoar os fluxos e procedimentos administrativos de tratamento do superendividamento pelo CNJ, e como palestrantes a desembargadora Rosana Garbin, com atuação na 17ª Câmara Cível, e o defensor público do Estado Felipe Kirchner, dirigente do Núcleo de Defesa do Consumidor.
A desembargadora Rosana falou sobre os casos concretos de pessoas endividadas que batem à porta do Judiciário. Ela mostrou a situação de consumidores que comprometem mais da metade dos salários com créditos consignados. Para a magistrada, é preciso garantir a efetividade da lei, dando ênfase à prevenção ao superendividamento, ao crédito responsável e à educação financeira do consumidor. “O Judiciário tem um papel importante de criação de uma jurisprudência que sirva de guia e não de obstáculo para os direitos do consumidor”, ela afirmou.
O defensor Kirchner teceu críticas às concessões irresponsáveis de crédito e da falta de cooperação dos credores em resolver a problemática. “Estamos em uma verdadeira epidemia do superendividamento. Não basta que credor vá a audiência, é necessário cooperação. Todo mundo precisa entender que estamos tentando salvar famílias de ruínas”, ele disse. “Ocorre de as pessoas contratarem empréstimos para suprir uma necessidade no contexto familiar, comprometendo a renda por algo que não é dela. Muitas vezes se endividam por terceiros”, afirmou o defensor, concluindo que o problema não é só econômico, mas também social.
Com informações da Assessoria de Comunicação Social do TJRS
O evento foi promovido em conjunto pelo TRF4, TJRS e TRT4 (Foto: Eduardo Nichele/DICOM-TJRS)
A Pós-Jornada de Soluções Autocompositivas abordou temas como união de instituições em benefício da população, construção de relações mais humanizadas e enfrentamento de desafios como o superendividamento (Foto: Eduardo Nichele/DICOM-TJRS)